quinta-feira, 24 de setembro de 2015

"Há muito mais vida na educação profissional que o Pronatec"

Almerico Biondi Lima, o pensador e realizador à frente da Superintendência de Desenvolvimento da Educação Profissional (Suprof), fala sobre o Ensino Técnico Profissionalizante.


Em sua edição de número 49, que acaba de ser disponibilizada para nossos leitores, a Revista Crea-Bahia traz uma interessante matéria sobre Ensino Técnico Profissionalizante. Um dos entrevistados é Almerico Biondi Lima, o pensador e realizador à frente da Superintendência de Desenvolvimento da Educação Profissional (Suprof). Na matéria da revista foram aproveitadas algumas falas do superintendente, mas, por conta da importância do tema, oferecemos aqui ao leitor a íntegra da entrevista.

Almerico Biondi Lima é doutor em Educação e professor licenciado da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Nesta entrevista ele fala de políticas públicas para a educação profissional, das dificuldades e avanços na área, e do grande desafio que o país vem enfrentando para, como acontece em várias nações ricas, apresentar à sociedade a possibilidade da profissão técnica como atraente para o ingresso na vida profissional ou mesmo para a construção de uma carreira longeva e de sucesso.

Crea - O Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego) foi criado pelo Governo Federal em 2011. Qual vem sendo o impacto do programa na Bahia?
Almerico Biondi Lima - Poderia dizer que o impacto é relativo. Impactantes foram as políticas públicas federal e estadual anteriores ao Pronatec. A expansão da rede federal, iniciada em 2004, levou a Bahia a se tornar a quarta rede federal em termos de oferta de cursos técnicos de nível médio. E entre 2007 e 2014 a rede estadual da Bahia passou de quatro mil para 76 mil matrículas, tornando-se a segunda maior rede estadual do país. Ressalte-se que 80% do recurso utilizado para construir a rede foi do tesouro estadual. O desempenho é tão positivo que o MEC credenciou a rede estadual para ofertar cursos Pronatec em 2012. Deste modo, fomos responsáveis por cerca de 14 mil matrículas de cursos de qualificação profissional para estudantes do ensino médio da rede estadual. Enquanto isto, temos uma pequena oferta de cursos técnicos no Sistema S (área industrial, comercial e de serviços) e na rede privada (na grande maioria na área de saúde). O Pronatec tem aumentado tal oferta, sobretudo no Senai. Infelizmente a maioria dos cursos de qualificação é desvinculada da elevação da escolaridade, o que restringe a sua efetividade em termos de inserção cidadã no mundo do trabalho. Finalmente é necessário registrar o esforço do governo do estado em alinhar as ofertas, federal, estadual, Sistema S e privadas, no sentido de ofertar `o que´ (cursos) e `onde´ (territórios, municípios) de forma precisa, tanto por meio da governança entre as diversas secretarias demandantes, quanto em espaços plurais como o Fórum Estadual de Educação Profissional.

Crea - O que o senhor acha da instituição de nível superior automaticamente poder ofertar cursos técnicos em sua área?
Almerico Biondi Lima - Afigura-se equivocado, a meu ver, a premissa de que uma instituição de nível superior possa automaticamente ofertar cursos técnicos correspondentes, permitido a partir do Pronatec, apesar do protesto dos conselhos estaduais de educação de todo o país.

Crea - Os repasses do Pronatec atrasaram em todo o país. Como isso vem se dando na Bahia e qual o cenário atual no tangente à entrada de recursos pelo programa?
Almerico Biondi Lima - Em relação à rede estadual, não ocorreu, nem agora nem nos outros anos, atraso em termos de repasse de recursos. Temos recursos do Pronatec em caixa. O que tem atrasado é a autorização do MEC para utilizá-los. Poderíamos ter começado em março. A previsão agora é setembro.

Crea - Independente do Pronatec, quais as outras iniciativas que o senhor poderia destacar, no campo da educação profissional na Bahia?
Almerico Biondi Lima - Costumo dizer que há muito mais vida na educação profissional que o Pronatec. Este é um programa, mas as redes públicas ofertam cursos de forma regular desde o início do século. Nos tempos recentes, a partir de 2007, destacaria a grande expansão, em termos de matrículas, diversidade de cursos e abrangência territorial da rede estadual de educação profissional, que é responsável por cerca de 71% do total de matriculas de cursos técnicos de nível médio na Bahia.

Crea - Na Alemanha, cerca de 50% do total dos jovens que concluem o ensino médio optam por iniciar uma escola técnica. E a Alemanha é uma potência que impulsiona e ancora a vez por outra vacilante economia do euro. No Brasil, apenas 6% dos jovens com idades entre 16 e 24 anos estão matriculados em cursos de educação profissional, segundo pesquisa de 2014 da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O que explica tamanha diferença?
Almerico Biondi Lima - O modelo dual, adotado pela Alemanha, tem seus pontos positivos e negativos e foi construído pensando na realidade alemã. Como todo modelo, não e perfeito e tem problemas em determinados setores. Claro que podemos aprender com ele, mas as redes públicas e o Sistema S têm experiência suficiente para construir um modelo especificamente brasileiro. A construção do Sistema Nacional de Educação e a execução do Plano Decenal da Educação 2014-2023 contribuirão para consolidação da ´Experiência Brasil de Educação Profissional´, necessariamente plural para dar conta dos ´brasis´ dentro do Brasil.

Crea- A que ponto as particularidades de cada país, tão importantes para qualquer ação na educação, têm que ser levadas em conta na educação profissional?

Almerico Biondi Lima - Algo a ser superado é a herança cultural que condiciona o olhar sobre a educação profissional. Na Alemanha, a ética protestante valorizava o trabalho, inclusive o manual. No Brasil, era desdenhado como atributo de escravos, com reflexos até hoje. Até recentemente a educação profissional e também a educação de jovens e adultos eram os `patinhos feios´ do campo educacional. Todos os governos federais anteriores atuaram em educação profissional, mas só a partir de 2004 começa a se esboçar uma política pública articulada e permanente. Cito alguns importantes avanços: o retorno da educação profissional integrada ao ensino médio; a institucionalização da educação profissional integrada à educação de jovens e adultos; o catálogo nacional de cursos; o sistema de registro de cursos (Sistec); o sistema nacional de avaliação e o sistema nacional de certificação profissional (estes já elaborados, em processo de aprovação final).

Crea - Por que tantos jovens fazem a opção pelo ensino superior sem levar em conta a possibilidade técnica de nível médio, mesmo como uma etapa da profissionalização?

Almerico Biondi Lima - Como o ensino médio foi perdendo sentido para os jovens, e destaco aqui a exclusão da formação para o trabalho (que é diferente da profissionalização, mas aproxima o estudante do mundo do trabalho concreto) como uma das causas, parece preferível para eles tentar o acesso ao nível superior, sem a etapa da profissionalização. Isso está sendo gradativamente modificado e os anos de crescimento econômico mostraram as possibilidades salariais e sociais dos diplomados em técnicos de nível médio. Mas tudo em educação demora um tempo de maturação, são apenas dez anos., acredito que esta imagem está sendo modificada pela própria realidade.

Crea - É reconhecido que há instituições gabaritadas para oferecer cursos técnicos na Bahia, além da experiência da Secretaria da Educação. Porém, há reclamações sobre os cursos mais rápidos, de apenas um ano e meio ou dois anos. O próprio Sintec reclama disso.
Almerico Biondi Lima - Na rede estadual da Bahia o curso técnico de nível médio de menor duração é o subsequente ao ensino médio (Prosub) com dois anos (quatro módulos semestrais). A carga horária mínima, preconizada pelo Catálogo Nacional de Cursos, varia de 800 a 1200 horas, mais estágio. Mas acrescentamos um conjunto de disciplinas, que denominamos Formação Técnica Geral, exatamente para ´dar a liga´, articulando os diversos componentes dos cursos. E ainda reforçamos os aspectos deficientes da educação básica com disciplinas como português, matemática, física e outras, com uma abordagem instrumental. Há também a iniciação cientifica, a orientação profissional, a participação em projetos de intervenção social e a obrigatoriedade do estágio como elemento de formação complementar, sobretudo da dimensão prática. Então a questão não é o tempo, mas o currículo. Um curso de três anos que não apresentar isso pode ser pior que o de dois anos, com um currículo denso e articulado.

Crea - Na Bahia, como se dá a fiscalização aos cursos que oferecem ensino técnico?

Almerico Biondi Lima - O acompanhamento e fiscalização se dão em diversas etapas. A etapa inicial é do Conselho Estadual de Educação (CEE), que tem a prerrogativa de credenciar entidades e autorizar cursos. Nenhum curso técnico pode ser iniciado sem os atos do CEE. Este delegou à Secretaria de Educação o credenciamento e autorização de seus próprios cursos, mas seguindo fielmente a Resolução do Conselho. Entretanto, a legislação que instituiu o Pronatec abriu a possibilidade do Sistema S, instituições de nível superior e escolas técnicas privadas prescindirem da autorização exclusivamente para cursos aprovados no âmbito do programa.

Crea - O senhor avalia essa fiscalização como suficiente?
Almerico Biondi Lima - Com o crescimento da oferta tornou-se necessário uma maior fiscalização, mas a considero insuficiente. Entretanto, reitero a importância dos conselhos profissionais, dentro das suas atribuições, contribuírem para a qualidade e melhoria dos cursos ofertados, além de apontarem casos de oferta não autorizada. Esses casos extremos podem ser encaminhados ao Ministério Público, que também tem, entre suas atribuições, a defesa do direito do estudante, enquanto cidadão e consumidor. Considero fundamental o fortalecimento da fiscalização pelo CEE e a construção de parcerias com os conselhos profissionais, no sentido de se garantir a fiscalização ante post e ex post dos cursos técnicos de nível médio.

Crea - Em meio à crise financeira pela qual passa o Brasil, como o senhor avalia o cenário para as empresas que empregam mão-de-obra técnica e, na outra linha, para o jovem que está na dúvida entre fazer uma escola técnica ou uma graduação?
Almerico Biondi Lima - A educação profissional é uma política permanente, porque a sociedade precisa de técnicos. Mesmo em situação de crise é necessária a formação de pessoas para o mundo do trabalho. Alias, precisa ser ressaltado o caráter anti-cíclico da política pública de educação profissional. Forma-se agora para podermos enfrentar o crescimento sem apagão de mão de obra, como aconteceu no passado. A falta de pessoas qualificadas na década de 2000 se explica pela baixa efetividade das políticas de qualificação nos anos 1990. Como não é a qualificação que gera emprego, e sim o desenvolvimento, é uma ilusão achar que uma maior qualificação (a graduação) lhe garantirá uma situação melhor em qualquer situação econômica. Na recessão dos anos 1990 conheci muitos graduados atuando em pequenos negócios, como carrocinhas de cachorro quente, milho etc. Tradicionalmente se fala da regra de um (01) engenheiro para cada 10 técnicos. Se assim for, a chance de se conseguir emprego é bem menor entre os graduados que entre os técnicos. E se estes tiverem uma formação sólida e generalista, podem transitar nas diversas esferas da produção e da circulação, o que uma formação mais especializada impede. A crise é incipiente e ainda não temos indícios que apontem para uma necessidade de reconfigurar as ações de educação profissional, em particular as de caráter permanente. Assim, um curso técnico de nível médio continua a ser uma boa opção para quem quer entrar, permanecer ou evoluir, com seguridade, no mundo do trabalho.

Fonte: Crea - BA

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